Inúmeros autores têm realizado pesquisas e discutido sobre as dificuldades de aprendizagem em crianças na fase escolar, e refletido especificamente sobre a relação entre pais e filhos. É oportuno um trabalho que discuta sobre o papel e a importância da família frente às dificuldades de aprendizagem, e também como a Psicopedagogia pode contribuir nesta relação, estando atenta a uma nova prática, na qual ensinar e aprender sejam atos que caminhem na mesma direção. Temos o objetivo de investigar, através de um levantamento bibliográfico, os estudos realizados sobre a relação família – criança - dificuldades de aprendizagem e as contribuições da Psicopedagogia nesta problemática. Como objetivos específicos: identificar quais fatores relativos ao ambiente familiar refletem na vida escolar; analisar atitudes e formas mais adequadas de lidar com crianças que apresentam problemas na aprendizagem; discutir até que ponto os problemas emocionais advindos do núcleo familiar interferem na aprendizagem dos alunos e levantar questões que possam esclarecer pais e educadores sobre as formas de atuação frente às dificuldades de aprendizagem que as crianças apresentam. Foram adotadas, como referencial teórico, as perspectivas de autores de áreas afins, tratando o processo de aprendizagem, a relação pais e filhos, os reflexos das transformações da sociedade no núcleo familiar e também como a Psicopedagogia pode contribuir para esta dinâmica. Ao final, observamos que fatores familiares podem contribuir para transtornos de aquisição de competências, fazendo-se necessário compreender as mudanças na sociedade e a importância do engajamento das instuições escola e família, numa ação conjunta frente às dificuldades de aprendizagem.
Palavras Chaves: Dificuldade de aprendizagem, Família, Psicopedagogia.
INTRODUÇÃO
Atualmente vivemos um momento no qual o sentido de imediatismo e descartabilidade nomeia o dia a dia. Segundo Bauman (2001), a solidez das instituições sociais (do estado de bem estar, da família, das relações de trabalho, entre outras) perde espaço, de maneira cada vez mais acelerada, para o fenômeno de liquefação: um estado de inconstância. De acordo com essa metáfora, o estado concreto dos sólidos, firmes e inabaláveis, derrete-se irreversivelmente, tomando a forma do estado líquido. Como conseqüência, vivemos um tempo de transformações sociais aceleradas, nas quais as dissoluções dos laços afetivos e sociais são o centro da questão. A liquefação dos sólidos explicita um tempo de desapego com aspecto de provisoriedade, uma suposta sensação de liberdade que traz em seu avesso a evidência do desamparo social em que se encontram os indivíduos modernos e “líquidos”. Neste contexto, a cultura do “Eu” supera o “Nós”, e o relacionamento “eu com o outro” ganha traços mercantilistas e capitalistas, em que os frágeis laços têm a possibilidade de serem desfeitos frente a qualquer desagrado de ambas as partes.
Os serviços de cunho social são privatizados, o que antes na modernidade sólida eram direitos do cidadão, como as próprias parcerias humanas. Relacionamentos voláteis e fluidos dão uma sensação de leveza e descompromisso, que são, muitas vezes, associados à liberdade individual (BAUMAN, 2001).
O filósofo francês Gilles Lipovetsky (2004) chama este tempo de hipermoderno, o qual não há lugar para limitações: todos podem tudo; e a mídia incentiva isto. Neste contexto, a família autoritária deu lugar a uma família afetiva, baseada na livre-escolha e na proteção. O filho, hoje, comunica suas preferências, exprime seus desejos e pergunta tudo o que lhe vem à mente. As perguntas muito precoces levam à imitação de certas atitudes que se assiste em todos os meios de comunicação e tendem a preocupar e a assustar os pais.
Sabemos que vivemos em uma época tão rica em informações e tão pobre em ética que infelizmente não há como poupar as crianças de informações de má qualidade, por mais que se tente bloqueá-las. Seria este um reflexo da (des) assistência dos pais em relação à educação dos filhos?
METODOLOGIA DE PESQUISA
É bastante oportuno um trabalho que reflita sobre o papel e a importância da família frente às dificuldades de aprendizagem, e também como a Psicopedagogia pode contribuir nesta relação estando atenta a uma nova prática, na qual ensinar e aprender sejam atos que caminhem para a mesma direção.
A relevância desta temática é ratificada pela grande discussão sobre o papel da família frente à vida escolar de seu filho, bem como as situações que ocorrem no lar e sua repercussão no processo de aprendizagem do aluno. É crescente o número de autores que tentam explicar cada vez mais como os pais e educadores podem melhorar sua relação com seu filho.
Tal proposta de estudo tem por base uma produção teórica- livros e artigos científicos- que apresentam relação com o tema. A abrangência e a visão crítica dos autores em relação ao assunto de interesse foram critérios importantes na seleção do material utilizado. Assim, o referencial teórico aqui explorado ofereceu subsídios para o tratamento do tema em questão, favorecendo o surgimento de discussões e trazendo conhecimentos acerca da temática proposta.
Desse modo, como entendem Barros e Lehfeld (1986, p. 70), a revisão bibliográfica “se efetua tentando-se resolver um problema ou adquirir conhecimento a partir do emprego predominante de informações advindas de material gráfico, sonoro e informatizadas”.
É uma grande oportunidade para o pesquisador ampliar seus conhecimentos teóricos através deste tipo de pesquisa, pois a concretização de um trabalho deste tipo somente é possível mediante o levantamento de temas afins e formas de abordagens já trabalhadas por outros estudiosos. Dessa forma, é possível construir conceitos e explorar idéias já publicadas. Além disso, a experiência prévia de uma prática, em um contexto escolar, vivenciada pelas pesquisadoras, foi um fator de suma importância para a constituição deste trabalho.
O presente trabalho teve o cuidado de abordar e compreender melhor como os problemas escolares podem estar ligados de certa forma à dinâmica familiar.
Diante da temática proposta, através dos argumentos de autores relacionados com o tema, procuramos primeiramente fazer um apanhado histórico do surgimento da família; os primeiros modelos familiares, direcionando o discurso para as transformações na sociedade e seus reflexos para novos modelos familiares; a crise familiar e as conseqüências para os problemas de aprendizagem da criança.
FAMÍLIA: UMA CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA
Engels (1981) foi um dos precursores nos estudos da história da família. Ele cita o autor Bachofen, que se deteve a este resgate histórico, desde a origem mais primitiva. Engels também se refere ao antropólogo norte-americano Lewis Henry Morgan, que tenta estabelecer conexões para refletir a respeito da evolução das sociedades humanas. Foram as descobertas de Morgan que serviram como base e ponto de partida para as conclusões de Engels. Assim, constata-se que as relações sexuais primitivas eram regidas pela promiscuidade e que laços sanguíneos não tinham a menor importância, uma vez que os graus de parentesco como conhecemos, possuíam pouco valor, diferente daquele que é atribuído atualmente. Entretanto, apesar do termo pejorativo que a sociedade moderna atribuiu, Engels ressalta que a promiscuidade era dada apenas por relações sexuais carnais, desenvolvidas numa determinada época em que não havia proibições e restrições impostas pelos costumes sociais.
Assim, Engels (1981) ressalta que, provavelmente, surgiram a partir daí, os seguintes modelos de família: consangüínea (caracterizada pelo casamento entre irmãos e irmãs); punaluana (matrimônio por grupos, um círculo fechado de parentes consanguíneos por linha feminina); sindiásmica (forma primitiva da monogamia, caracterizada pelo matrimônio por pares, embora a poligamia e infidelidade sejam encaradas como direito dos homens) e a monogâmica, que: baseia-se no predomínio do homem; sua finalidade expressa é a de procriar filhos cuja paternidade seja indiscutível [...], pois esses, na qualidade de herdeiros diretos, entrarão, um dia, na posse dos bens de seu pai. (ENGELS, 1981, p.66).
A partir deste novo modelo familiar (a monogamia) podemos destacar quatro pontos, defendidos por Engels (1981): primeiro, destaca-se uma solidez muito maior dos laços conjugais, nos quais só o homem tem o direito de romper; segundo, a monogamia foi a primeira forma de família que não surgiu por condições naturais, e sim econômicas, evidenciando a questão da propriedade privada sobre a comum; terceiro, é visível que este ovo modelo não é fruto de laços amorosos e sexuais, e sim, de necessidades econômicas; e quarto, é relevante ressaltar que tal liberdade sexual pregressa não deixou de existir com a monogamia. Esses fatos possibilitam uma série de evoluções na família monogâmica. A mulher reconquista vários direitos e uma nova posição diante da sociedade, bem como sua inserção e importância no mercado de trabalho.
Ariès (2006) demonstra, através do seu estudo histórico e iconográfico, como foi dada a mudança gradativa na forma de retratar as famílias ao longo dos séculos, através de pinturas e obras de artes. Para este autor, na Idade Média, o sentimento de infância não existia. Elas não eram negligenciadas, porém, o sentimento de distinção entre criança e adulto, hoje presentes, não fazia parte da consciência social daquela época.
O autor supracitado ainda afirma que as crianças eram submetidas a trabalhos pesados, sendo rapidamente integradas ao mundo adulto. O serviço doméstico se confundia com aprendizagem, como uma forma comum de educação, dada pela convivência com adultos. Segundo ele
a família não podia portanto, nesta época, alimentar um sentimento existencial profundo entre pais e filhos. [...] A família era mais uma realidade moral e social, mais do que sentimental.” (ARIÈS, 2006, p.231). Ariès aponta em seus estudos iconográficos a raridade de se ver a família, o que se via era multidão de pessoas, não estranhas, mas de certa forma arraigadas: crianças, vizinhos, homens, mulheres, até a imagem da Igreja se fazia muito presente entre estes cenários. Gradualmente, ele observa as primeiras cenas familiares, prova do direito da sociedade sobre a intimidade do lar.
Assistimos, assim, ao nascimento e desenvolvimento do sentimento de família, entre os séculos XV e XVIII, “uma transformação profunda e lenta, mal percebida tanto pelos contemporâneos como pelos historiadores, e difícil de reconhecer”.(ARIÈS, 2006, p.231). Considerando-se os inúmeros problemas enfrentados pela escola e seus educadores, e verificando-se as alterações ocorridas na sociedade nas últimas gerações, especialmente na entidade familiar, destaca-se, como fator preponderante, o papel da família frente à vários problemas relacionados à aprendizagem dos alunos, distúrbios generalizados que desafiam a comunidade e o meio educacional. Através da discussão sobre família e dificuldades de aprendizagem, salienta-se a grande importância da participação da instituição familiar nas escolas e no processo de aprendizagem do aluno, formando uma comunidade engajada na solução de tais dificuldades.
A família é um grupo social que influencia e é influenciado por um grupo maior: a sociedade. Tais interferências têm vários carateres, entre eles o aspecto biopsicossocial, num movimento dialético: macro-grupo (sociedade) para um micro-grupo (família) e vice-versa. Muitas famílias reagem satisfatoriamente a tais influências que tendem a desequilibrar a dinâmica familiar. Entretanto, quando tal sistema se encontra fragilizado, as interferências vindas de fora do núcleo familiar podem desestabilizá-la. Assim, “uma família disfuncional é um sistema que respondeu a estas exigências internas ou externas de mudança, estereotipando seu funcionamento.” (MINUCHIN, 1990, p. 108). A instituição familiar, assim como todas as outras instituições da sociedade, reflete as mudanças que ocorrem na sociedade, e no decorrer destas alterações se organizaram diferentes modelos familiares que deixaram de se basear no modelo predominante, tornando-se cada vez mais diversificados. Esta mudança se dá através de uma dialética entre o tradicional e o moderno. Figueira (1987, p.29) reafirma esta idéia retratando mais especificamente nosso contexto, e ainda acrescenta que na velocidade destas transformações coexistem antigos e novos ideais:
[...] não há, propriamente, uma nova família brasileira. Ainda estamos longe de uma família realmente nova [o que quer que isto signifique]. No momento, o moderno convive com o arcaico na família brasileira de modos sutis e complexos que só recentemente começaram a ser estudados.
Os discursos sobre as transformações na família, bem como sobre as condições que os originam, variam bastante. Observa-se uma percepção contraditória: instituição de grande segurança versus instituição em desagregação e crise. A percepção negativa aparece devido às condições de vida, à violência, menores abandonados, crimes familiares, bem como a mídia que trata de mostrar o amplo leque de estilos alternativos de vida. Por outro lado, verifica-se também o discurso sobre novos direitos e responsabilidades dos membros da família, desejando estabelecer-se uma ordem e padronização de comportamentos, historicamente estimulado pela sociedade e pela Igreja, com a visão clássica do casal e filhos felizes.
Atualmente, há diversos modelos de núcleos familiares presentes no cotidiano escolar, com algumas mudanças sociais, como o aumento do número de pais e mães solteiros e/ou separados, casais morando sob o mesmo teto sem a oficialização do casamento, adoções individuais e famílias homossexuais, com reflexos na estrutura e no modelo de família até então considerado na sociedade como “normal”.
O alto índice de divórcios é outro ponto a ser observado de vários ângulos. Fatores como projetos individuais e ascensão pessoal profissional reforçam a incompatibilidade descoberta depois da vida conjugal. A realização pessoal é priorizada antes dos objetivos familiares. Quando existem filhos na relação, o casal tende a suportar mais um tempo juntos até decidir-se pela separação. Para Waldemar (1996, p.175) “os pais precisam aprender a separar a relação marital que termina, da relação parental, que continua.” Este autor a inda afirma que, a proporção das reações dos filhos vai depender da maturidade, capacidade de lidar com a situação e idade dos mesmos.
As crianças podem responder com muitos comportamentos: o de reunificação, acreditando que os pais irão reatar; o de responsabilidade, julgando os mesmos serem os causadores da separação; o de abandono, pensando o que será deles dali pra frente; o de raiva, tornando-se agressivos na escola, com amigos e outros familiares; o de negação, reafirmando que esta situação vai passar e que eles, de fato, não estão se separando, entre outras. (WALDEMAR, 1996). Enfim, é uma situação difícil para a criança, uma vez que muitas não têm maturidade psicológica para suportar toda esta carga emocional instável em tão tenra idade.
A FAMÍLIA, A CRIANÇA E O PROCESSO DE APRENDIZAGEM
Para investigarmos melhor o tema, é importante delimitarmos o conceito dificuldade de aprendizagem, sob a ótica de vários autores. Segundo Gómez e Terán (2008), para estudarmos o processo de aprendizagem, devemos considerar toda uma bagagem de experiências, cultura, religião, vivências entre outros sentimentos que envolvem o aprender; um processo que se dá por toda a vida.
Há, na literatura, discordância nas diferenças entre distúrbio e dificuldade. De acordo com Ciasca (2003), o distúrbio de aprendizagem se caracteriza por uma disfunção do sistema nervoso central, já a dificuldade escolar está relacionada, especificamente, a um problema de ordem ou origem de método de ensino. Para José e Coelho (2006, p.23) os problemas de aprendizagem referem-se às situações difíceis enfrentadas pela criança normal e pela criança com um desvio do quadro normal mas com experiência de aprendizagem a longo prazo [alunos multirrepetentes]. Segundo Scoz (1994, p.19) “não é fácil uma definição clara e abrangente para designar ‘problemas de aprendizagem’ ”, pois, segundo ela, tal definição transitou por várias áreas do conhecimento ao longo dos anos, passando pelo enfoque biológico-orgânico, da Medicina, principalmente na área da Psiquiatria, posteriormente pela Psicologia, atingindo também a Psicanálise, até obter propostas da Pedagogia e mais recentemente, da Psicopedagogia.
Para Pain (1992, p.31)
o problema da aprendizagem pode surgir como uma reação neurótica à interdição da satisfação, seja pelo afastamento da realidade e pela excessiva satisfação da fantasia, seja pela fixação com a parada do crescimento da criança. Fica claro que esta autora busca elucidar as razões dos problemas de aprendizagem segundo a Psicanálise. Já Visca (1991 apud Scoz, 1994, p.28) observa a aprendizagem sob um olhar orgânico ou biológico: concebe a aprendizagem como uma construção intrapsíquica, com continuidade genética e diferenças evolutivas, resultantes das pré-condições energético-estruturais do sujeito e das circunstâncias do meio. É comum as pessoas restringirem o processo de aprendizagem somente ao ambiente escolar, porém, este deve ser encarado mais amplamente. Nos deparamos com situações de aprendizagem em vários momentos e ambientes: hábitos que formamos, valores que consolidamos, o modo com reagimos na nossa cultura, entre outros aspectos relevantes no decorrer da vida.
O processo de aprendizagem sofre interferência advinda de vários fatores, entre eles: o intelectual, o psicomotor, o físico e o social. Mas, o que se destaca é o fator emocional, o qual depende grande parte da educação. (JOSÉ e COELHO, 2006).
Cabe ao educador estar atento aos sinais de dificuldade de aprendizagem que seu aluno apresente, e sempre se atualizar para obter um conhecimento prévio sobre problemas que possam envolver aspectos neurológicos, psicológicos, biológicos, entre outros que dizem respeito ao método ineficaz ou inadequado utilizado pelo educador; ou que demonstrem ser de cunho ambiental, isto é, quando dizem respeito ao meio em que a criança está inserida (GOMEZ e TERÁN, 2008).
Esta postura facilita o encaminhamento a um especialista que orientará o educador num sentido que beneficiará a relação com o aluno, bem como será observado se a criança necessita de um acompanhamento concomitante em uma instituição de atendimento especial.
O número de alunos com dificuldades de aprendizagem vem aumentando consideravelmente nos últimos anos. E quando entra o fator “causa”, a família aparece como um dos indicativos principais, pois é freqüente o discurso, no cotidiano escolar, especialmente em instituições educacionais que atendem às famílias de baixa renda, do professor desamparado, frustrado com o desempenho insatisfatório dos alunos que protesta contra a falta de cooperação e ausência dos pais.
As dificuldades de aprendizagem podem ser decorrentes de déficits cognitivos que prejudicam a aquisição de conhecimentos, como também, na maioria delas, são apenas resultantes de problemas educacionais ou ambientais que não estão relacionados a um comprometimento cognitivo.
As crianças, desde o seu nascimento, estão em constante contato com diferentes ambientes, e através de várias mídias como a televisão, a música, a internet, entre outras, aprendem valores e formas diferentes de olhar o mundo, moldando sua identidade, personalidade e caráter.
As crianças convivem e compartilham a forma como compreendem o mundo ao seu redor, fazendo disso uma reprodução e reinvenção do mundo. Para Sarmento e Vasconcelos (2007, p.28) [...] vários autores têm chamado a atenção para a diversidade das formas e modos desenvolvimento das crianças, em função da sua pertença cultural – isto é, sustentam que a cultura molda a infância, por contrapor a idéia de uma natureza universal da infância, suposta a partir de estudos centrados no ocidente [e.g.Roff, 2003] com a norma da infância ocidental e a revolução das concepções da infância não equivalem ao que ocorre noutras partes do mundo ou nas culturas não ocidentais [e.g. Mead, 1970].
Como observamos no parágrafo acima, os autores, estes fatos são produzidos mais fortemente na modernidade ocidental, que originou ideias de infância na qual o adulto tem um olhar diferenciado para a criança, pois é um ser incompleto. Segundo Sarmento e Vasconcelos (2007, p.33), “a infância como a idade do não está inscrita desde o étimo da palavra latina que designa esta geração: in-fans- o que não fala”, (grifos dos autores) distiguindo-se assim, segundo o mesmo, da idéia de “adultez”.
Assim, antes de considerar as influências da cultura escolar, vem a importância da investigação sobre o que acontece dentro do lar da criança, onde a cultura social reflete no contexto de seu desenvolvimento.
Desse modo, o meio pode ser - em alguns casos - o fator principal do problema de uma criança, ou contribuir em muito para tal deficiência. Muitas vezes, é possível modificar o ambiente para que a criança adquira a habilidade que ainda não possui. Devemos entender como meio, tanto a situação física na qual vive uma criança, quanto os relacionamentos entre essa criança e os outros indivíduos.
Neste caso, fatores familiares podem contribuir para o transtornos de aquisição de competências, refletindo nas diversas dificuldades de aprendizagem. Nas situações em que ocorrem essas aprendizagens nas quais a criança encontra-se, geralmente são desenvolvidas também formas de aprender que influenciarão a aprendizagem futura, isto é, até a vida adulta.
Questões agravantes ao ambiente familiar contribuem para as dificuldades na aquisição de conhecimentos: o alcoolismo, as ausências prolongadas, as enfermidades, a violência doméstica, o falecimento dos pais ou parentes e a separação conjugal, fatores que trazem desajustamentos dependendo do grau de maturidade da criança.
Muitos pais afirmam que os filhos são responsáveis pelo problema, pois acreditam que eles não tenham interesse pelos conteúdos escolares, são preguiçosos para realizar as tarefas, são distraídos, menosprezam os esforços que os pais fazem por eles e são “mal-criados”.
Tal crença faz com que as crianças se responsabilizem por algo que não compete somente a elas, o que prejudica a auto-estima, bem como gera reações emocionais de tristeza, irritabilidade, cansaço e, com freqüência, desinteresse pelo estudo. Além disso, essa idéia não oportuniza a busca de auxílio adequado à criança, ou seja, uma avaliação de uma equipe multidisciplinar: médica, psicológica, assistência social e pedagógica, que verifique os motivos da dificuldade e que direcione as modificações necessárias, sendo estas no âmbito da família, da escola e da própria criança.
-A PSICOPEDAGOGIA E A APRENDIZAGEM
Observamos que "problemas de aprendizagem" tem sido a forma encontrada por vários especialistas para nomear o que não corresponde ao que se espera de um aluno no processo de aprendizagem. Tais "problemas" podem ocorrer no aprendizado dos conteúdos escolares, no relacionamento com a comunidade escolar (instituição e as pessoas que a compõem), dentre outros. Diante destas questões, surge um novo saber: a Psicopedagogia.
Segundo Bossa (2000), este novo saber nasce da preocupação dos cientistas e filósofos em entender e propor soluções para as dificuldades de aprendizagem. Tal preocupação tem origem na Europa no século XIX. A autora relaciona esse movimento à consolidação do capitalismo industrial e o enfraquecimento dos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade do século XVIII. Com este novo quadro, a sociedade passa a se organizar de um modo no qual são esperados resultados eficientes e que os indivíduos estejam adequados ao que é esperado deles.
Bossa (2000, p.39) ainda destaca o surgimento dos primeiros centros para atendimentos psicopedagógicos na França, em 1946, com uma prática, a princípio, marcada pelas práticas médica, pedagógica e psicanalítica: através dessa cooperação Psicologia- Psicanálise- Pedagogia, esperavam adquirir um conhecimento total da criança e do seu meio, o que tornaria possível a compreensão do caso.
A Psicopedagogia, deste modo, recebe as primeiras influências destes movimentos franceses já marcados por um conhecimento diversificado na compreensão dos sintomas e dos tratamentos para os problemas de aprendizagem. São levadas para a Argentina, através de jovens que haviam estudado na Europa, as influências da evolução neste novo campo do conhecimento. Na Argentina, então, é tomada como modo de compreender e tratar as atribulações sociais: crises na escola, problemas com a reorganização no pós-guerra e evasão escolar, se desenvolvendo e ganhando cada vez mais reconhecimento e espaço. (BOSSA, 2000). Observamos que são reconhecidas também as contribuições de autores argentinos. No site da Associação Brasileira de Psicopedagogia (2009), afirma-se que a Psicopedagogia é um campo de atuação em Saúde e Educação que lida com o processo de aprendizagem humana: seus padrões normais e patológicos considerando a influência do meio - família, escola e sociedade - no seu desenvolvimento, utilizando procedimentos próprios da Psicopedagogia.
Em outras palavras, sua práxis se sustenta em disciplinas muito diferentes, com pressupostos diferentes, dando margem a posturas clínicas e trabalhos teóricos diversos, como é possível observar no trecho publicado no referido site, tornando assim um quadro teórico vasto, com contribuições advindas da Medicina, Pedagogia, Sociologia, Filosofia, Fonoaudiologia, Neurologia, Psicologia, Psicanálise Psicopedagogia, por contar com a contribuição de várias áreas do conhecimento, já elencadas anteriormente, assume o papel de “desmistificadora” do fracasso escolar, de suas causas e conseqüências. Apresenta, assim, uma perspectiva diferenciada e responde a algumas dúvidas que há muito permeiam a mente de alguns educadores.
O psicopedagogo assume papel relevante na abordagem e na solução dos problemas de aprendizagem, sem procurar culpar ou acusar os personagens envolvidos no processo. Ele procura avaliar a situação da forma mais eficiente e proveitosa. Em sua avaliação, no encontro inicial com o aluno e seus familiares, ele utiliza recursos que o auxiliarão a captar explicações à causa do não-aprender das crianças.
Sabemos que a criança aprende muito fora da escola. Ela aprende em contato com o social, com a família e com o mundo que a cerca. A família é o primeiro vínculo com a criança. É nela que a criança tem contato com grande parte de sua primeira educação, aprendizagem e por meio desta, ela é inserida no meio cultural e simbólico, construindo seus saberes.
Atualmente, o que temos observado são famílias um tanto “perdidas” em meio a tantas formas e receitas de como educar seus filhos neste quadro contemporâneo, no qual a mídia dita os modos de viver, influenciando, assim, tantas instituições, mais fortemente o núcleo familiar entre outras.
Cabe ao psicopedagogo intervir junto à família das crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem, por meio de métodos próprios como dentre tantos, a entrevista e a anamnese com essa família, para tomar conhecimento de informações sobre sua vida cognitiva, social e emocional.
Pain (1981) busca abordar os problemas da aprendizagem à luz da Psicologia, mais especificamente da Psicanálise, trazendo um aporte teórico que propõe como tratar tais dificuldades A autora sugere investigar fatores internos e externos à criança, defendendo o uso de testes, entrevistas, atividades lúdicas, espontâneas ou dirigidas. Ela ainda cita o contato com os pais e educadores, na forma de encontros e visitas à instituição escolar que a criança freqüenta, incorporando-os ao diagnóstico.
É de grande importância para o psicopedagogo chegar a um diagnóstico e estar atento no que a família pensa e como reage sobre tais dificuldades, seus anseios, seus objetivos e expectativas com relação ao desenvolvimento de seu filho.
Às vezes, quando o fracasso escolar não está associado às desordens neurológicas, a família tem uma grande parcela de participação nesse fato. São percebidos problemas de lentidão de raciocínio, de atenção e o desinteresse. E quando estes aspectos precisam ser trabalhados para se obter melhor rendimento, a família desempenha um papel importante na condução e evolução de tais problemas.
A intervenção psicopedagógica propõe a inclusão dos pais no processo, possibilitando o acompanhamento do trabalho junto aos educadores. Sendo assim, os pais ocupam um novo espaço no contexto do trabalho educacional, sendo de suma importância sua opinião e participação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, buscou-se discutir, sob a luz das ponderações de autores, como a relação da família para com os filhos pode interferir no processo de aprendizagem, trazendo à tona algumas dificuldades neste processo ou reiterando-as quando já detectadas.
Em muitas das situações em que ocorre a aprendizagem, a criança encontra-se no ambiente familiar, e ali são desenvolvidas também formas de aprender que influenciarão o processo futuro de aquisição de conhecimento, que perdura até a vida adulta. Quando esse processo ocorre de forma adequada, a aprendizagem acontece de forma equilibrada. Contudo, há situações familiares que não favorecem esse desenvolvimento.
Em uma família na qual, por exemplo, são dados à criança o amor, a atenção, o tempo e as condições necessárias para que ela brinque, explore os objetos e experimente o meio ao seu redor, situações, sensações, e aprenda com elas, pode ocorrer um desenvolvimento desejável com uma qualidade de aprendizagem satisfatória, e serão evitadas as dificuldades de aprendizagem de cunho emocional.
O contato saudável entre os membros da família faz com que a criança se sinta bem e lhe dá condições de desabafar, falar de suas angústias. Os filhos precisam confiar nos pais, e essa confiança é adquirida através do diálogo, onde pais e filhos se abrem e discutem suas preocupações.
As pessoas se preocupam cada vez mais com o lado profissional, e esquecem o pessoal, ou seja, passam mais tempo no trabalho ou em função dele, do que ao lado de seus entes queridos. Esse fato traz sensíveis prejuízos à vida. Outro desafio a ser enfrentado pela “nova família” está no resgate dos momentos que possibilitam a conversa e até as famosas discussões. Isso porque, na sociedade contemporânea, o ritmo de trabalho provocou uma grave intromissão no âmbito da subjetividade, o que impede os laços afetivos humanos de se desenvolverem, destacando assim a perda de qualidade de vida.
Precisamos compreender a sociedade a qual vivemos e suas influências para as instituições como a família e a escola, através de sua cultura, suas relações de classe e de produção, para compreender as especificidades do papel da família em relação às dificuldades de aprendizagem de suas crianças. Devemos reconhecer que as mudanças que vêm ocorrendo nas diversas fases de desenvolvimento da criança, na infância e na adolescência, já requerem novos olhares por parte dos profissionais. Isso nos leva a uma reavaliação do papel da escola e da família diante do ato de ensinar.
Por fim, esperamos ter contribuído, através desta produção teórica, para a discussão em volta do tema proposto, e que possa servir de referência para o desenvolvimento de outros trabalhos que possam vir trazer novos olhares às construções teóricas aqui expostas.
Bibliografia
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15 de janeiro de 2012 às 16:57
Muito bom artigo! Estou pesquisando sobre a importância da união família escola para o aprendizado da criança e do adolescente.
Até mais...