Elizabeth Polity*
É sempre muito desafiador iniciar um trabalho que combina o resultado de uma pesquisa com a prática que é construída no fazer profissional. Este teve origem na dissertação apresentada para a obtenção do título de Mestre na área de Educação. Sua execução foi o produto de muita reflexão sobre as atividades que desenvolvo em uma Instituição escolar, que atende crianças com a queixa de Dificuldade de Aprendizagem, juntamente com o trabalho que desenvolvo em consultório particular, com famílias, aliados aos meus estudos acadêmicos.
Iniciarei com um levantamento a cerca das diferentes definições sobre dificuldade de aprendizagem. Acredito ser esta uma abordagem interessante e que nos permite ampliar a maneira de nomearmos o problema. Vale mencionar, que ao nomearmos estamos no campo da lingüística e que portanto são construções sociais que visam tornar mais fácil a comunicação, não tendo entretanto a pretensão à verdade única e absoluta.
A definição desenvolvida pelo Comitê Nacional de Dificuldades de Aprendizagem (EEUU) é a seguinte:
Dificuldade de Aprendizagem é um termo genérico que se refere a um grupo heterogêneo de desordens, manifestadas por dificuldade na aquisição e no uso da audição, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas.
Estas desordens são intrínsecas ao sujeito, presumidamente devido a uma disfunção no sistema nervoso central, e pode ocorrer apenas por um período na vida .
Problemas de controle de comportamento, percepção social e interação social podem existir junto com as dificuldades de aprendizagem, mas elas não constituem por si só uma desordem de aprendizagem.
Embora dificuldades de aprendizagem possam ocorrer concomitantemente a outras condições desfavoráveis ( retardo mental, séria desordem emocional, problemas sensórios - motores ) ou influencias externas ( como diferenças culturais, instrução insuficiente ou inapropriada) elas não são o resultado dessas influencias ou condições.
A dificuldade de aprendizagem, quando de origem biológica, pode ser bastante definida e clara, nos levando a supor que a área emocional e o ambiente familiar não tiveram nenhuma participação no seu aparecimento e determinação. Boa parte dos problemas que esbarramos nesta área - lentidão de raciocínio, falta de atenção, desinteresse, etc.. - encontram suas origens na biologia e sobretudo na biologia exposta ao meio ambiente.
Mesmo as teorias mais organicistas e baseadas na neuropsicologia, como afirma Ratey (1997), admitem que os distúrbios mentais, mesmo brandos, podem se tronar muito piores em respostas a um ambiente cheio de ruídos, a uma família ruidosa. Este é um dos importantes motivos pelos quais responsabilizamos os pais pelos problemas dos filhos; porque o nível de funcionamento dos pais sempre altera o problema - com base biológica ou não - do filho. A criança hiperativa se tronará mais hiperativa, a deprimida mais deprimida, a autista mais autista, quando a família funciona desta forma.
Alícia Fernandez, (1990) em vários momentos do seu livro A Inteligência Aprisionada, nos traz uma visão mais global das Dificuldades de Aprendizagem, onde existe a articulação entre inteligência e desejo; entre família e sintoma. Ela diz: Se pensarmos no problema de aprendizagem como só derivado do organismo ou só da inteligência, para sua cura não haveria necessidade de recorrer à família. Se, ao contrário, as patologias no aprender surgissem na criança ou adolescente somente a partir de sua função equilibradora do sistema familiar, não necessitaríamos, para seu diagnóstico e cura, recorrer ao sujeito separadamente de sua família. Ao considerar o sintoma como resultante da articulação construtiva do organismo, corpo, inteligência e a estrutura do desejo, incluído no meio familiar (e determinado por ele) no qual seu sintoma tem sentido e funcionalidade ...é que podemos observar o possível "atrape" da inteligência.
Audrey Souza refere-se a Dificuldade de Aprendizagem , como sendo um impedimento de um bom desempenho intelectual, vinculado a problemáticas emocionais associados a conflitos familiares não explicitados. (Souza, 1995)
Ë preciso também se considerar, os efeitos emocionais que essas dificuldades acarretam, agravando o problema. Se seu rendimento escolar for sofrível, a criança talvez seja vista como um fracasso pelos professores ou colegas, e até pela própria família. Infelizmente, muitas dessas crianças desenvolvem uma auto-estima negativa, que agrava em muito a situação, e que poderia ser evitada, com o auxílio da família e de uma escola adequada.
No meu entender, a dificuldade de aprendizagem tem causas e desenvolvimentos múltiplos, exigindo pesquisas em diversos campos do conhecimento, para que se tenha uma visão mais ampla sobre esse tema. Ela pode ter uma origem orgânica, intelectual/cognitiva, emocional (incluindo-se aí a estrutura familiar/relacional), sócio-cultural; porém, o que se percebe na maioria dos casos é que há um entrelaçamento destes fatores, responsável pela complexidade da situação.
Dificuldade de aprendizagem, na literatura especializada, é um termo genérico que se refere a um grupo heterogêneo de desordens, manifestadas por dificuldades na aquisição e no uso da audição, da fala, da leitura, da escrita, do raciocínio ou das habilidades matemáticas. Problemas de controle de comportamento, percepção e interação social podem coexistir.
As dificuldades de aprendizado também podem ocorrer em concomitância com outras condições desfavoráveis (retardo mental, séria desordem emocional, problemas sensório-motores) ou, ainda, serem acentuadas por influências externas (como, por exemplo, diferenças culturais, instrução insuficiente ou inapropriada) não sendo, necessariamente, o resultado dessas condições.
Por isso, tanto nas considerações caso a caso, como numa casuística mais ampla, encontrar um fio condutor para explicar a multiplicidade de sintomas é, às vezes, impossível, mesmo para os especialistas. O que responde por este fato é que esta complexa e ampla sintomatologia corre paralela a igualmente complexa rede de possibilidades que a originam.
Crianças tolhidas por uma dificuldade de aprendizagem, na maior parte das vezes, têm o seu desempenho escolar comprometido. Sabe-se que nunca há uma causa única para o fracasso escolar, mas uma conjunção de fatores que, num determinado momento, interagem, imobilizam o desenvolvimento do sujeito e do sistema familiar/escolar/social. É importante não confundir dificuldade de aprendizagem com fracasso escolar.
Em resumo, nomeio a dificuldade de aprendizagem como um conjunto de sinais, de origem bio-psicossocial, calcados em algumas constituintes básicas: a criança, a família, a escola e o meio social (Polity, 2001).
Ao fazer este trabalho, como educadora e terapeuta familiar, pretendi compreender e descrever a relação do sujeito aprendente com sua família e destes com a aprendizagem. Mencionei em minha obra anterior, como julgo importante que o educador tenha conhecimento daqueles com que vai trabalhar. (A quem se ensina?, in Polity, Ensinando a Ensinar, 2a edição, 2003). Pretendi ainda, abrir um novo espaço de conversação entre a Família e a Escola, com o intuito de olhar para as condições de aprendizagem de forma a abarcar um contexto mais amplo, e assim poder re-significar as dificuldades que surgem neste processo.
APRESENTAÇÃO
Definir Dificuldade de Aprendizagem, como vimos, não é tarefa das mais simples. Muitas são as causas que concorrem para seu aparecimento e outras tantas são as formas como se manifestam. No entanto, algumas características são normalmente encontradas nas crianças ou jovens com este diagnóstico: dificuldade de raciocínio ou lentidão, dificuldade de simbolização, atraso no desenvolvimento cognitivo em comparação a crianças da mesma faixa etária, dificuldade de socialização, entre outros. E o que aparece mais evidentemente em decorrência destes fatores é o que denominamos de fracasso escolar.
A criança em idade escolar sabe que precisa ter sucesso nos estudos. Isso é exigido por seus pais, familiares, colegas, professores, pela sociedade como um todo. O sucesso opõe-se ao fracasso, e este implica num juízo de valor, num julgamento que deve corresponder a um ideal.
Esse ideal normalmente é ditado por valores familiares que são transmitidos de geração em geração. Há famílias de engenheiros, que se espera do filho mais velho que também o seja. Há famílias de advogados, de médicos ou de negociantes, onde o destino da criança já está selado nem bem ela nasceu. Pode-se observar aqui o papel dos mitos familiares que tentam a construção de uma realidade irreal desejada para a continuação da história familiar.
Quando se atende uma família cuja queixa é a Dificuldade de Aprendizagem de um de seus membros, em geral um dos filhos, faz-se mister construir um espaço de escuta respeitosa, onde se possa observar o processo de um plano mais amplo. Começamos por perguntar como é:
¨ Estrutura Familiar, isto é, qual a composição da família, organização fraterna ( a ordem, o sexo, as idades), quais as pessoas significativas para o grupo, que convivem, ou não na mesma casa;
¨ Adaptação ao Ciclo Vital, isto é, quais os eventos relacionados à evolução natural do grupo, como a família reage a eles, como cada membro enfrenta essas mudanças, eventos externos e internos ao grupo que tem alguma significação;
¨ Alianças e Coalizões existentes no grupo, quem é leal a quem, quem se une com quem, contra quem,quais as alianças e triangulações existentes no sistema familiar;
¨ Padrões de Repetição que determinam a formação e/ou rompimento de vínculos afetivos, influenciando sobremaneira no funcionamento e na hierarquia familiar;
¨ Equilíbrio e Desequilíbrio considerando-se seu funcionamento regular, ou seja, quais as expectativas para cada um de seus membros, papéis, estilo de funcionamento, padrões de comunicação e temas recorrentes, que pertencem ao imaginário do grupo; como manejam os segredos, o que é visto e como é permitido o crescimento e a diferenciação;
¨ Significado que a família confere às crenças, aos valores, aos mitos, que geram mandatos relativos ao saber.
Ao procurarmos entender a família como um todo, estaremos valorizando o aspecto de Globalidade do sistema, que difere do somatório das partes (teoria Geral dos Sistemas) e o aspecto de Reciprocidade, onde cada membro influencia e é influenciado pelo comportamento dos outros. Desta forma, poderemos nos aproximar daquelas questões familiares que interferem de maneira contundente no desenvolvimento da criança ou do jovem.
A colocação do indivíduo no espaço familiar, dentro de uma perspectiva geracional (vertical) e dentro de um contexto atual (horizontal), permitem a formação de um quadro mais amplo para o entendimento das dificuldades de aprendizagem.
Quando um indivíduo nasce, ele não vem ao mundo como uma tela em branco mas sim, inserido numa história familiar que compreende várias gerações e recebe uma série de missões e projeções dos pais avós e família extensiva (Bowen, 1978).
O conceito de missão está ligado aos conceitos de legado e lealdade desenvolvido por Boszormenyi & Nagy (1983), que evidenciam o quanto forte e poderosa pode ser o legado destinado à criança, impedindo-a muitas vezes de se relacionar com o conhecimento e com o saber .
Se escolhêssemos reduzir a problemática humana a uma só palavra, esta seria separação, diz Groisman (1999). Pois o ser humano é gerado em uma união, gestado em união, mas para ser reconhecido em sua existência precisa separa-se. Eu ousaria dizer, que mais que separação, estamos falando de identidade, que só pode ser conseguida através do equilíbrio entre pertencimento e separação.
A necessidade de pertinência, de se sentir incluído num grupo, é uma necessidade básica do ser humano. Minuchin(1993) diz que a família é o contexto natural para crescer e receber auxílio, onde cumpre o seu papel de garantir a pertença e ao mesmo tempo promover a individualização do sujeito. Aprender requer que possamos nos separar, pelo menos em parte, dos nossos pais e construir um saber próprio, que ao mesmo tempo que nos dá pertencimento, pois o compartilhamos com outros membros do grupo. Isso demanda de nós um certo grau de autonomia e individualidade, que por sua vez nos permitem elaborar nossa própria identidade.
A patologia, ao expressar-se em um dos membros do sistema, que se oferece como canal escoador, representa dialeticamente a tentativa de manutenção daquele equilíbrio organizacional, ou segundo Hoffman, (1981), a patologia surge quando se instala uma situação de duplo vínculo numa etapa de necessária transformação familiar. Assim o sintoma expressaria ao mesmo tempo a necessidade de mudar e a proibição em faze-lo.
A pouca diferenciação entre os membros da família leva a uma confusão de papéis que provoca perturbações na estrutura hierárquica da família, com inversões nas quais os filhos se tornam "pai" e os pais se tornam "filhos", ou, são todos irmãos, sem haver uma divisão nítida de papéis. Quando a família nuclear não se separara o suficiente das respectivas famílias de origem, não estabelecem o que Minuchin chama de fronteiras geracionais, dificultando a diferenciação de seus membros. (Minuchin, opus cit.)
A criança com Dificuldade de Aprendizagem, que é o objeto de nosso estudo, está na maior parte das vezes situada numa família onde seu discurso não encontra um sentido. A ela, muitas vezes cabe a função de carregar o peso da história do grupo. Esta função pode ser demasiado difícil e ela não conseguir dar conta. É quando surgem os sintomas: notas baixas, falta de atenção, dificuldade ou lentidão de raciocínio. "Ele fica nas nuvens";" Nunca traz as lições, seus cadernos estão incompletos"; Não faz nada durante as aulas, parece que eu falo com as paredes" ; comentam os professores.
Cada grupo familiar introduz expectativas e valores sobre como o filho deve ser, como deve se comportar e passa, mesmo sem o saber, os sonhos sobre a vida profissional futura da criança. Desde seu nascimento começam as profecias (acho que ele será um grande economista, como o avô), os mandatos (somos uma família de advogados, esperamos que ele siga a mesma profissão;), as comparações (ele deve se esforçar para tirar notas boas como o irmão), as lealdades (meus pais são analfabetos, acho que também não preciso estudar muito) os segredos (minha mulher e eu achamos melhor não lhe falar nada sobre a adoção). Todas estas situações marcam profundamente o desenvolvimento futuro da criança impondo-lhe tarefas que estão em desarmonia com suas capacidades, aptidões ou mesmo desejos.
Para que uma criança aprenda é necessário que ela tenha o desejo de aprender. E que sobretudo o desejo dos pais a autorizem. Como diz Maud Mannoni, numa belíssima metáfora, "as crianças andam não só porque tem pernas mas porque seus pais assim o permitem."
Bowby (1993) afirma que a existência de uma criança com problema representa uma ruptura para os pais. As expectativas construídas em torno do filho normal tornam-se insustentáveis. Vistos como uma projeção dos pais, estes filhos representam a perda de sonhos e esperanças e a obrigatoriedade em lidar com as limitações fazem com que muitos pais se sintam despreparados para a tarefa que devem assumir. Assim, pode surgir um padrão rígido de comportamento, onde o tempo não pode passar, dando lugar a mecanismos constantes e repetitivos no intuito de manter o sistema paralisado e impedir que o grupo evolua de um estágio para outro.
No trabalho com as famílias, nos deparamos então com algumas questões: qual a relação da família na formação e manutenção do sintoma; qual a função do sintoma para este grupo familiar?; o que este sintoma quer dizer?; quais as pessoas implicadas ? E ainda, com relação à aprendizagem: o que a família aprende?; como ela se relaciona com o saber?; como a família lida com as dificuldades que surgem no aprender? e sobretudo, porque não aprender é significativo para este grupo, em particular?
Ao pesquisar e construir junto com a família sua história em relação ao saber, contribuímos no processo facilitador para que cada membro reconte seu percurso, descrevendo os fatos à sua maneira, e sobretudo a significação destes para a vida do sujeito. Ao elaborar narrativas sobre seu movimento no Ciclo Vital, a família pode resgatar um pouco da sua história, onde o sintoma passou a ser descrito como tendo um sentido neste sistema.
Embora ainda não tenha mencionado, quero ressaltar a importância do profissional que acompanha a criança e sua família (professor, psicopedagogo, terapeuta) como co-responsável por essa realidade que observa. Estando implicado no sistema e colaborando para a construção da realidade que descreve.
À GUISA DE ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo de seu Ciclo Vital, o ser humano traz dentro de si, muitas famílias: a da sua infância, a da sua adolescência, a da sua fase adulta, com filhos e netos, e em todas elas a herança dos padrões de relação familiar é seu legado mais forte. Ser bem sucedido, do ponto de vista intelectual (poder aprender e fazer uso do conhecimento, como uma apropriação legítima), está intimamente ligado à forma como o funcionamento destas famílias internas e de suas relações atuais, constroem seu contexto de aprendizagem.
A criança vem inscrita numa trama de expectativas familiares, e muitos dos pais que se vêem às voltas com a frustração de ter um filho diferente, tendem a estabelecer vínculos disfuncionais que não ajudam-na a se desenvolver. Algumas vezes, na tentativa de super protegê-la, encobrem sua raiva e frustração, outras vezes, colocam-na num plano de menos valia, determinando para ela, através de mitos, mandatos, lealdades, uma incompetência que está muito longe de corresponder à realidade e com isso, a mantém eternamente infantilizada, sem autorização para desenvolver o potencial que apresenta. Existe ainda aqueles que colocam expectativas inatingíveis, sem levar em conta o potencial da criança.
Percebo que existe um processo de luto subjacente, quando do nascimento e/ou desenvolvimento de uma criança que poderia ser nomeada como disfuncional, seja ela física, emocional ou intelectual; ou ainda a combinação de todos esses aspectos. Processo esse, que nem sempre é bem elaborado pela família, agravando o quadro já existente.
Sabe-se de pais, zelosos e cuidadores, que fazem uma verdadeira peregrinação por consultórios de especialistas, na esperança de conseguir algum tipo de ajuda para o filho, estando eles mesmos engajados e dispostos a colaborar. Entretanto, na minha experiência, percebo com freqüência, famílias que não consideram a relação vincular como decisiva para a evolução do processo, tentando colocar sempre no "outro" a causa do problema e não se permitindo enxergar a possibilidade de progresso da Família, como Sistema. Como diz Sara Pain (1982), "o absolutismo parental transforma o transitório em definitivo, pois raramente a expectativa de cura está colocada na modificação do vínculo".
O que observei ao longo de meu percurso profissional é que, muitas vezes, não é suficiente ter capacidade intelectual para aprender. É necessário também, que se acompanhe de um contexto relacional favorável, que permita desenvolver as competência e tolerar as limitações.
Pensando sobre o que eu nomeio por Dificuldade de Aprendizagem, e considerando-a sob a óptica das relações familiares, constato que muitas vezes, a compreensão do contexto mais amplo não torna a criança mais inteligente mas, possibilita que se formem novas construções, que redefinem a carga de responsabilidade, distribuindo aquilo que anteriormente denominávamos de sintoma, por todos os envolvidos: família, escola, comunidade terapêutica, meio social, formando uma verdadeira rede relacional. E desta forma, permite-se a construção de narrativas mais poderosas - criadas em torno das competências e da resilência - tanto para a criança como para sua família.
BIBLIOGRAFIA
BOSZORMENYI & SPARKS, Ivan e Geraldine, Lealtades Invisibles, Buenos Aires, Amorrotur Editores, 1983
BOWBY, John, trilogia: Apego, Perda e Separação, São Paulo, Editora Martins Fontes, 1993
CARTER & McGOLDRIK, Betty, Mônica, As mudanças no ciclo de vida Familiar, Porto Alegre, Ed. Artes Médicas, 1989
CARDIÉ , Laura , Os atrasados não existem, Porto Alegre, Ed. Artes Médicas,1997
EVAN IMBER-BLACK, e cols., Os Segredos na Família e na Terapia Familiar, Porto Alegre, Artes Médicas, 1994
FERNANDEZ, Alícia, A Inteligência Aprisionada, Porto Alegre, Ed. Artes Médicas, 1994
PAIN, Sara, A função da Inteligência, Porto Alegre, Ed. Artes Médicas, 1989
POLITY, Elizabeth, Ensinando a Ensinar,1997, 2a edição, São Paulo, Ed. Vetor, 2003
_____, Psicopedagogia: um enfoque sistêmico, (org.)1998, 2a edição, São Paulo, Ed. Vetor, 2004
______, Dificuldade de Aprendizagem e Família: construindo novas narrativas, São Paulo, Editora Vetor, 2001
_____, Dificuldade de Ensinagem. Que história é essa ..?. São Paulo, Ed. Vetor, 2003
______, Psicopedagogia - um portal para a inserção social. (Co-autora) Ed. Vozes, 2003
______, Psicopedagogia- diversas faces, múltiplos olhares. (Co-autora) Ed. Olho d'agua, 2003
_____, Ainda existe a cadeira do Papai ? Considerações sobre o lugar do pai na Pós-modernidade, (org.), São Paulo, Ed. Vetor (no prelo)
RATEY & JOHNSON, John, Catherine, Síndromes Silenciosas, Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 1997
RIVIÈRE, Pichon, Teoria do Vínculo, São Paulo, Ed. Martins Fontes, 1980
SOUZA, Audrey, Pensando a Inibição Intelectual, São Paulo, Ed. Casa do Psicólogo, 1995
WATZLAWICK, Paul, org., A Realidade Inventada, Psy Editorial, São Paulo, 1994
* Elizabeth Polity
Psicopedagoga
Terapeuta de Família
Mestre em Educação
Doutora em Psicologia
Ex- Diretora da Associação Brasileira de Psicopedagogia
Diretora da Associação Paulista de Terapia Familiar
Coordenadora do CEOAFE
Professora- formadora do Instituto Sistemas Humanos
Diretora do Colégio Winnicott - Al. Campinas, 1111, fone/fax: 884-3765 SP
Autora dos livros:
Ensinando a Ensinar - São Paulo, Ed. Lemos, 1997. 2a Edição. Ed. Vetor, 2003
Psicopedagogia: um enfoque sistêmico - terapia Familiar nos distúrbios de aprendizagem (org.), São Paulo, Ed. Empório do Livro, 1998, 2a Edição, Ed. Vetor, 2004
Dificuldade de Aprendizagem e Família: construindo novas narrativas, São Paulo, Editora Vetor, 2001
Dificuldade de Ensinagem. Que história é essa ..?, São Paulo, Ed. Vetor, 2003
Dificuldade de Aprendizagem e Família: construindo novas narrativas, São Paulo, Editora Vetor, 2001
Dificuldade de Ensinagem. Que história é essa ..?, São Paulo, Ed. Vetor, 2003
Psicopedagogia - um portal para a inserção social. (Co-autora) Ed. Vozes, 2003
Psicopedagogia- diversas faces, múltiplos olhares. (Co-autora) Ed. Olho d'agua, 2003
Ainda existe a cadeira do Papai ? Considerações sobre o lugar do pai na Pós-modernidade, (org.), São Paulo, Ed. Vetor (no prelo)
É sempre muito desafiador iniciar um trabalho que combina o resultado de uma pesquisa com a prática que é construída no fazer profissional. Este teve origem na dissertação apresentada para a obtenção do título de Mestre na área de Educação. Sua execução foi o produto de muita reflexão sobre as atividades que desenvolvo em uma Instituição escolar, que atende crianças com a queixa de Dificuldade de Aprendizagem, juntamente com o trabalho que desenvolvo em consultório particular, com famílias, aliados aos meus estudos acadêmicos.
Iniciarei com um levantamento a cerca das diferentes definições sobre dificuldade de aprendizagem. Acredito ser esta uma abordagem interessante e que nos permite ampliar a maneira de nomearmos o problema. Vale mencionar, que ao nomearmos estamos no campo da lingüística e que portanto são construções sociais que visam tornar mais fácil a comunicação, não tendo entretanto a pretensão à verdade única e absoluta.
A definição desenvolvida pelo Comitê Nacional de Dificuldades de Aprendizagem (EEUU) é a seguinte:
Dificuldade de Aprendizagem é um termo genérico que se refere a um grupo heterogêneo de desordens, manifestadas por dificuldade na aquisição e no uso da audição, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas.
Estas desordens são intrínsecas ao sujeito, presumidamente devido a uma disfunção no sistema nervoso central, e pode ocorrer apenas por um período na vida .
Problemas de controle de comportamento, percepção social e interação social podem existir junto com as dificuldades de aprendizagem, mas elas não constituem por si só uma desordem de aprendizagem.
Embora dificuldades de aprendizagem possam ocorrer concomitantemente a outras condições desfavoráveis ( retardo mental, séria desordem emocional, problemas sensórios - motores ) ou influencias externas ( como diferenças culturais, instrução insuficiente ou inapropriada) elas não são o resultado dessas influencias ou condições.
A dificuldade de aprendizagem, quando de origem biológica, pode ser bastante definida e clara, nos levando a supor que a área emocional e o ambiente familiar não tiveram nenhuma participação no seu aparecimento e determinação. Boa parte dos problemas que esbarramos nesta área - lentidão de raciocínio, falta de atenção, desinteresse, etc.. - encontram suas origens na biologia e sobretudo na biologia exposta ao meio ambiente.
Mesmo as teorias mais organicistas e baseadas na neuropsicologia, como afirma Ratey (1997), admitem que os distúrbios mentais, mesmo brandos, podem se tronar muito piores em respostas a um ambiente cheio de ruídos, a uma família ruidosa. Este é um dos importantes motivos pelos quais responsabilizamos os pais pelos problemas dos filhos; porque o nível de funcionamento dos pais sempre altera o problema - com base biológica ou não - do filho. A criança hiperativa se tronará mais hiperativa, a deprimida mais deprimida, a autista mais autista, quando a família funciona desta forma.
Alícia Fernandez, (1990) em vários momentos do seu livro A Inteligência Aprisionada, nos traz uma visão mais global das Dificuldades de Aprendizagem, onde existe a articulação entre inteligência e desejo; entre família e sintoma. Ela diz: Se pensarmos no problema de aprendizagem como só derivado do organismo ou só da inteligência, para sua cura não haveria necessidade de recorrer à família. Se, ao contrário, as patologias no aprender surgissem na criança ou adolescente somente a partir de sua função equilibradora do sistema familiar, não necessitaríamos, para seu diagnóstico e cura, recorrer ao sujeito separadamente de sua família. Ao considerar o sintoma como resultante da articulação construtiva do organismo, corpo, inteligência e a estrutura do desejo, incluído no meio familiar (e determinado por ele) no qual seu sintoma tem sentido e funcionalidade ...é que podemos observar o possível "atrape" da inteligência.
Audrey Souza refere-se a Dificuldade de Aprendizagem , como sendo um impedimento de um bom desempenho intelectual, vinculado a problemáticas emocionais associados a conflitos familiares não explicitados. (Souza, 1995)
Ë preciso também se considerar, os efeitos emocionais que essas dificuldades acarretam, agravando o problema. Se seu rendimento escolar for sofrível, a criança talvez seja vista como um fracasso pelos professores ou colegas, e até pela própria família. Infelizmente, muitas dessas crianças desenvolvem uma auto-estima negativa, que agrava em muito a situação, e que poderia ser evitada, com o auxílio da família e de uma escola adequada.
No meu entender, a dificuldade de aprendizagem tem causas e desenvolvimentos múltiplos, exigindo pesquisas em diversos campos do conhecimento, para que se tenha uma visão mais ampla sobre esse tema. Ela pode ter uma origem orgânica, intelectual/cognitiva, emocional (incluindo-se aí a estrutura familiar/relacional), sócio-cultural; porém, o que se percebe na maioria dos casos é que há um entrelaçamento destes fatores, responsável pela complexidade da situação.
Dificuldade de aprendizagem, na literatura especializada, é um termo genérico que se refere a um grupo heterogêneo de desordens, manifestadas por dificuldades na aquisição e no uso da audição, da fala, da leitura, da escrita, do raciocínio ou das habilidades matemáticas. Problemas de controle de comportamento, percepção e interação social podem coexistir.
As dificuldades de aprendizado também podem ocorrer em concomitância com outras condições desfavoráveis (retardo mental, séria desordem emocional, problemas sensório-motores) ou, ainda, serem acentuadas por influências externas (como, por exemplo, diferenças culturais, instrução insuficiente ou inapropriada) não sendo, necessariamente, o resultado dessas condições.
Por isso, tanto nas considerações caso a caso, como numa casuística mais ampla, encontrar um fio condutor para explicar a multiplicidade de sintomas é, às vezes, impossível, mesmo para os especialistas. O que responde por este fato é que esta complexa e ampla sintomatologia corre paralela a igualmente complexa rede de possibilidades que a originam.
Crianças tolhidas por uma dificuldade de aprendizagem, na maior parte das vezes, têm o seu desempenho escolar comprometido. Sabe-se que nunca há uma causa única para o fracasso escolar, mas uma conjunção de fatores que, num determinado momento, interagem, imobilizam o desenvolvimento do sujeito e do sistema familiar/escolar/social. É importante não confundir dificuldade de aprendizagem com fracasso escolar.
Em resumo, nomeio a dificuldade de aprendizagem como um conjunto de sinais, de origem bio-psicossocial, calcados em algumas constituintes básicas: a criança, a família, a escola e o meio social (Polity, 2001).
Ao fazer este trabalho, como educadora e terapeuta familiar, pretendi compreender e descrever a relação do sujeito aprendente com sua família e destes com a aprendizagem. Mencionei em minha obra anterior, como julgo importante que o educador tenha conhecimento daqueles com que vai trabalhar. (A quem se ensina?, in Polity, Ensinando a Ensinar, 2a edição, 2003). Pretendi ainda, abrir um novo espaço de conversação entre a Família e a Escola, com o intuito de olhar para as condições de aprendizagem de forma a abarcar um contexto mais amplo, e assim poder re-significar as dificuldades que surgem neste processo.
APRESENTAÇÃO
Definir Dificuldade de Aprendizagem, como vimos, não é tarefa das mais simples. Muitas são as causas que concorrem para seu aparecimento e outras tantas são as formas como se manifestam. No entanto, algumas características são normalmente encontradas nas crianças ou jovens com este diagnóstico: dificuldade de raciocínio ou lentidão, dificuldade de simbolização, atraso no desenvolvimento cognitivo em comparação a crianças da mesma faixa etária, dificuldade de socialização, entre outros. E o que aparece mais evidentemente em decorrência destes fatores é o que denominamos de fracasso escolar.
A criança em idade escolar sabe que precisa ter sucesso nos estudos. Isso é exigido por seus pais, familiares, colegas, professores, pela sociedade como um todo. O sucesso opõe-se ao fracasso, e este implica num juízo de valor, num julgamento que deve corresponder a um ideal.
Esse ideal normalmente é ditado por valores familiares que são transmitidos de geração em geração. Há famílias de engenheiros, que se espera do filho mais velho que também o seja. Há famílias de advogados, de médicos ou de negociantes, onde o destino da criança já está selado nem bem ela nasceu. Pode-se observar aqui o papel dos mitos familiares que tentam a construção de uma realidade irreal desejada para a continuação da história familiar.
Quando se atende uma família cuja queixa é a Dificuldade de Aprendizagem de um de seus membros, em geral um dos filhos, faz-se mister construir um espaço de escuta respeitosa, onde se possa observar o processo de um plano mais amplo. Começamos por perguntar como é:
¨ Estrutura Familiar, isto é, qual a composição da família, organização fraterna ( a ordem, o sexo, as idades), quais as pessoas significativas para o grupo, que convivem, ou não na mesma casa;
¨ Adaptação ao Ciclo Vital, isto é, quais os eventos relacionados à evolução natural do grupo, como a família reage a eles, como cada membro enfrenta essas mudanças, eventos externos e internos ao grupo que tem alguma significação;
¨ Alianças e Coalizões existentes no grupo, quem é leal a quem, quem se une com quem, contra quem,quais as alianças e triangulações existentes no sistema familiar;
¨ Padrões de Repetição que determinam a formação e/ou rompimento de vínculos afetivos, influenciando sobremaneira no funcionamento e na hierarquia familiar;
¨ Equilíbrio e Desequilíbrio considerando-se seu funcionamento regular, ou seja, quais as expectativas para cada um de seus membros, papéis, estilo de funcionamento, padrões de comunicação e temas recorrentes, que pertencem ao imaginário do grupo; como manejam os segredos, o que é visto e como é permitido o crescimento e a diferenciação;
¨ Significado que a família confere às crenças, aos valores, aos mitos, que geram mandatos relativos ao saber.
Ao procurarmos entender a família como um todo, estaremos valorizando o aspecto de Globalidade do sistema, que difere do somatório das partes (teoria Geral dos Sistemas) e o aspecto de Reciprocidade, onde cada membro influencia e é influenciado pelo comportamento dos outros. Desta forma, poderemos nos aproximar daquelas questões familiares que interferem de maneira contundente no desenvolvimento da criança ou do jovem.
A colocação do indivíduo no espaço familiar, dentro de uma perspectiva geracional (vertical) e dentro de um contexto atual (horizontal), permitem a formação de um quadro mais amplo para o entendimento das dificuldades de aprendizagem.
Quando um indivíduo nasce, ele não vem ao mundo como uma tela em branco mas sim, inserido numa história familiar que compreende várias gerações e recebe uma série de missões e projeções dos pais avós e família extensiva (Bowen, 1978).
O conceito de missão está ligado aos conceitos de legado e lealdade desenvolvido por Boszormenyi & Nagy (1983), que evidenciam o quanto forte e poderosa pode ser o legado destinado à criança, impedindo-a muitas vezes de se relacionar com o conhecimento e com o saber .
Se escolhêssemos reduzir a problemática humana a uma só palavra, esta seria separação, diz Groisman (1999). Pois o ser humano é gerado em uma união, gestado em união, mas para ser reconhecido em sua existência precisa separa-se. Eu ousaria dizer, que mais que separação, estamos falando de identidade, que só pode ser conseguida através do equilíbrio entre pertencimento e separação.
A necessidade de pertinência, de se sentir incluído num grupo, é uma necessidade básica do ser humano. Minuchin(1993) diz que a família é o contexto natural para crescer e receber auxílio, onde cumpre o seu papel de garantir a pertença e ao mesmo tempo promover a individualização do sujeito. Aprender requer que possamos nos separar, pelo menos em parte, dos nossos pais e construir um saber próprio, que ao mesmo tempo que nos dá pertencimento, pois o compartilhamos com outros membros do grupo. Isso demanda de nós um certo grau de autonomia e individualidade, que por sua vez nos permitem elaborar nossa própria identidade.
A patologia, ao expressar-se em um dos membros do sistema, que se oferece como canal escoador, representa dialeticamente a tentativa de manutenção daquele equilíbrio organizacional, ou segundo Hoffman, (1981), a patologia surge quando se instala uma situação de duplo vínculo numa etapa de necessária transformação familiar. Assim o sintoma expressaria ao mesmo tempo a necessidade de mudar e a proibição em faze-lo.
A pouca diferenciação entre os membros da família leva a uma confusão de papéis que provoca perturbações na estrutura hierárquica da família, com inversões nas quais os filhos se tornam "pai" e os pais se tornam "filhos", ou, são todos irmãos, sem haver uma divisão nítida de papéis. Quando a família nuclear não se separara o suficiente das respectivas famílias de origem, não estabelecem o que Minuchin chama de fronteiras geracionais, dificultando a diferenciação de seus membros. (Minuchin, opus cit.)
A criança com Dificuldade de Aprendizagem, que é o objeto de nosso estudo, está na maior parte das vezes situada numa família onde seu discurso não encontra um sentido. A ela, muitas vezes cabe a função de carregar o peso da história do grupo. Esta função pode ser demasiado difícil e ela não conseguir dar conta. É quando surgem os sintomas: notas baixas, falta de atenção, dificuldade ou lentidão de raciocínio. "Ele fica nas nuvens";" Nunca traz as lições, seus cadernos estão incompletos"; Não faz nada durante as aulas, parece que eu falo com as paredes" ; comentam os professores.
Cada grupo familiar introduz expectativas e valores sobre como o filho deve ser, como deve se comportar e passa, mesmo sem o saber, os sonhos sobre a vida profissional futura da criança. Desde seu nascimento começam as profecias (acho que ele será um grande economista, como o avô), os mandatos (somos uma família de advogados, esperamos que ele siga a mesma profissão;), as comparações (ele deve se esforçar para tirar notas boas como o irmão), as lealdades (meus pais são analfabetos, acho que também não preciso estudar muito) os segredos (minha mulher e eu achamos melhor não lhe falar nada sobre a adoção). Todas estas situações marcam profundamente o desenvolvimento futuro da criança impondo-lhe tarefas que estão em desarmonia com suas capacidades, aptidões ou mesmo desejos.
Para que uma criança aprenda é necessário que ela tenha o desejo de aprender. E que sobretudo o desejo dos pais a autorizem. Como diz Maud Mannoni, numa belíssima metáfora, "as crianças andam não só porque tem pernas mas porque seus pais assim o permitem."
Bowby (1993) afirma que a existência de uma criança com problema representa uma ruptura para os pais. As expectativas construídas em torno do filho normal tornam-se insustentáveis. Vistos como uma projeção dos pais, estes filhos representam a perda de sonhos e esperanças e a obrigatoriedade em lidar com as limitações fazem com que muitos pais se sintam despreparados para a tarefa que devem assumir. Assim, pode surgir um padrão rígido de comportamento, onde o tempo não pode passar, dando lugar a mecanismos constantes e repetitivos no intuito de manter o sistema paralisado e impedir que o grupo evolua de um estágio para outro.
No trabalho com as famílias, nos deparamos então com algumas questões: qual a relação da família na formação e manutenção do sintoma; qual a função do sintoma para este grupo familiar?; o que este sintoma quer dizer?; quais as pessoas implicadas ? E ainda, com relação à aprendizagem: o que a família aprende?; como ela se relaciona com o saber?; como a família lida com as dificuldades que surgem no aprender? e sobretudo, porque não aprender é significativo para este grupo, em particular?
Ao pesquisar e construir junto com a família sua história em relação ao saber, contribuímos no processo facilitador para que cada membro reconte seu percurso, descrevendo os fatos à sua maneira, e sobretudo a significação destes para a vida do sujeito. Ao elaborar narrativas sobre seu movimento no Ciclo Vital, a família pode resgatar um pouco da sua história, onde o sintoma passou a ser descrito como tendo um sentido neste sistema.
Embora ainda não tenha mencionado, quero ressaltar a importância do profissional que acompanha a criança e sua família (professor, psicopedagogo, terapeuta) como co-responsável por essa realidade que observa. Estando implicado no sistema e colaborando para a construção da realidade que descreve.
À GUISA DE ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo de seu Ciclo Vital, o ser humano traz dentro de si, muitas famílias: a da sua infância, a da sua adolescência, a da sua fase adulta, com filhos e netos, e em todas elas a herança dos padrões de relação familiar é seu legado mais forte. Ser bem sucedido, do ponto de vista intelectual (poder aprender e fazer uso do conhecimento, como uma apropriação legítima), está intimamente ligado à forma como o funcionamento destas famílias internas e de suas relações atuais, constroem seu contexto de aprendizagem.
A criança vem inscrita numa trama de expectativas familiares, e muitos dos pais que se vêem às voltas com a frustração de ter um filho diferente, tendem a estabelecer vínculos disfuncionais que não ajudam-na a se desenvolver. Algumas vezes, na tentativa de super protegê-la, encobrem sua raiva e frustração, outras vezes, colocam-na num plano de menos valia, determinando para ela, através de mitos, mandatos, lealdades, uma incompetência que está muito longe de corresponder à realidade e com isso, a mantém eternamente infantilizada, sem autorização para desenvolver o potencial que apresenta. Existe ainda aqueles que colocam expectativas inatingíveis, sem levar em conta o potencial da criança.
Percebo que existe um processo de luto subjacente, quando do nascimento e/ou desenvolvimento de uma criança que poderia ser nomeada como disfuncional, seja ela física, emocional ou intelectual; ou ainda a combinação de todos esses aspectos. Processo esse, que nem sempre é bem elaborado pela família, agravando o quadro já existente.
Sabe-se de pais, zelosos e cuidadores, que fazem uma verdadeira peregrinação por consultórios de especialistas, na esperança de conseguir algum tipo de ajuda para o filho, estando eles mesmos engajados e dispostos a colaborar. Entretanto, na minha experiência, percebo com freqüência, famílias que não consideram a relação vincular como decisiva para a evolução do processo, tentando colocar sempre no "outro" a causa do problema e não se permitindo enxergar a possibilidade de progresso da Família, como Sistema. Como diz Sara Pain (1982), "o absolutismo parental transforma o transitório em definitivo, pois raramente a expectativa de cura está colocada na modificação do vínculo".
O que observei ao longo de meu percurso profissional é que, muitas vezes, não é suficiente ter capacidade intelectual para aprender. É necessário também, que se acompanhe de um contexto relacional favorável, que permita desenvolver as competência e tolerar as limitações.
Pensando sobre o que eu nomeio por Dificuldade de Aprendizagem, e considerando-a sob a óptica das relações familiares, constato que muitas vezes, a compreensão do contexto mais amplo não torna a criança mais inteligente mas, possibilita que se formem novas construções, que redefinem a carga de responsabilidade, distribuindo aquilo que anteriormente denominávamos de sintoma, por todos os envolvidos: família, escola, comunidade terapêutica, meio social, formando uma verdadeira rede relacional. E desta forma, permite-se a construção de narrativas mais poderosas - criadas em torno das competências e da resilência - tanto para a criança como para sua família.
BIBLIOGRAFIA
BOSZORMENYI & SPARKS, Ivan e Geraldine, Lealtades Invisibles, Buenos Aires, Amorrotur Editores, 1983
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* Elizabeth Polity
Psicopedagoga
Terapeuta de Família
Mestre em Educação
Doutora em Psicologia
Ex- Diretora da Associação Brasileira de Psicopedagogia
Diretora da Associação Paulista de Terapia Familiar
Coordenadora do CEOAFE
Professora- formadora do Instituto Sistemas Humanos
Diretora do Colégio Winnicott - Al. Campinas, 1111, fone/fax: 884-3765 SP
Autora dos livros:
Ensinando a Ensinar - São Paulo, Ed. Lemos, 1997. 2a Edição. Ed. Vetor, 2003
Psicopedagogia: um enfoque sistêmico - terapia Familiar nos distúrbios de aprendizagem (org.), São Paulo, Ed. Empório do Livro, 1998, 2a Edição, Ed. Vetor, 2004
Dificuldade de Aprendizagem e Família: construindo novas narrativas, São Paulo, Editora Vetor, 2001
Dificuldade de Ensinagem. Que história é essa ..?, São Paulo, Ed. Vetor, 2003
Dificuldade de Aprendizagem e Família: construindo novas narrativas, São Paulo, Editora Vetor, 2001
Dificuldade de Ensinagem. Que história é essa ..?, São Paulo, Ed. Vetor, 2003
Psicopedagogia - um portal para a inserção social. (Co-autora) Ed. Vozes, 2003
Psicopedagogia- diversas faces, múltiplos olhares. (Co-autora) Ed. Olho d'agua, 2003
Ainda existe a cadeira do Papai ? Considerações sobre o lugar do pai na Pós-modernidade, (org.), São Paulo, Ed. Vetor (no prelo)