Definição e avaliação das dificuldades de aprendizagem (I): Os impasses na operacionalização dos distúrbios de aprendizagem
Resumo. A identificação das dificuldades de aprendizagem apresenta uma diversidade de procedimentos que muitas vezes parecem ser inconciliáveis e confusos, mas que poderiam ser entendidos como complementares. O presente artigo consiste em um ensaio teórico elaborado a partir de uma extensa revisão da literatura com os objetivos de: (a) apresentar as principais formas de diagnóstico dos problemas de aprendizagem, sob os enfoques organicista e psicossocial; (b) discutir os problemas metodológicos envolvidos na operacionalização dos distúrbios de aprendizagem; e (c) defender uma definição interdisciplinar para as dificuldades de aprendizagem dentro de um esquema operacional integrador. Discute-se que a visão integradora das diferentes concepções, práticas e disciplinas do saber abrangidas pela área das dificuldades de aprendizagem, e defendida neste ensaio, tem ressonância nos atuais movimentos interdisciplinares no campo das ciências e adequa-se à realidade escolar e social brasileira.
Palavras-chaves: dificuldades de aprendizagem, distúrbios de aprendizagem, avaliação, diagnóstico.
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* Este trabalho teve o apoio da CAPES e foi elaborado ao longo do estágio de doutoramento do primeiro autor na equipa Aventura Social/FMH/UTL. E-mail: fabiobfeitosa@yahoo.com.br. As dificuldades de aprendizagem acadêmica têm sido investigadas por profissionais de diferentes áreas e, com isso, o campo das dificuldades de aprendizagem agrupa uma variedade desorganizada de conceitos, critérios, teorias, modelos e hipóteses (Fonseca, 1999a). A escassez de trabalhos integradores é refletida nas diferentes metodologias para a avaliação dos problemas de aprendizagem que, muitas vezes, parecem ser inconciliáveis, prejudicando a sistematização do conhecimento ou a sua validade científica.
Sendo assim, o presente artigo consiste em um ensaio teórico elaborado a partir de uma extensa revisão da literatura com os objetivos de: (a) apresentar as principais formas de diagnóstico dos problemas de aprendizagem, sob os enfoques organicista e psicossocial; (b) discutir os problemas metodológicos envolvidos na operacionalização dos distúrbios de aprendizagem; e (c) defender uma definição interdisciplinar para as dificuldades de aprendizagem dentro de um esquema operacional integrador. A organização deste ensaio teórico foi feita a partir da revisão da literatura elaborada pelo primeiro autor ao longo do seu curso de mestrado e doutoramento.
Periódicos e obras foram consultadas na Biblioteca Comunitária da Universidade Federal de São Carlos, no período compreendido entre Março de 2000 e Janeiro de 2005, além de consultas feitas na biblioteca da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, de Fevereiro a Maio de 2006. A base de dados da CAPES com textos completos (www.periodicos.capes.gov.br) também foi consultada ao longo desse mesmo período. Os editores incluídos na revisão pertenciam às ciências sociais ou humanas e às ciências da saúde (Blackwell, Gale, OVID, Scielo).
A definição operacional dos distúrbios de aprendizagem
Os distúrbios de aprendizagem são tradicionalmente definidos como distúrbios manifestados por dificuldades significativas na aquisição e uso da audição, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas, presumivelmente resultantes de disfunções no sistema nervoso central (Hammill, 1990).
A literatura apresenta dois procedimentos para a operacionalização dos distúrbios de aprendizagem: (1) diagnóstico contínuo e (2) índice de discrepância entre o desempenho do indivíduo em um teste de inteligência geral e o seu desempenho em um teste padronizado de tarefas acadêmicas (Bear et al., 1998; Siegel, 2003). Em relação a esses dois procedimentos, existem questionamentos que podem ser feitos e que inviabilizam seu uso, como é apresentado adiante, juntamente com a descrição dos mesmos.
Diagnóstico contínuo
O diagnóstico contínuo, nos moldes apresentados por Adelman (1992), consiste em remover a influência de todas as possibilidades de fatores psicossociais e oferecer ao educando todas as condições ambientais consideradas favoráveis à aprendizagem acadêmica. Se, sob essas condições ótimas de aprendizagem, e sem apresentar deficiência mental, o educando continuar com baixo desempenho acadêmico, então deverá receber o diagnóstico de distúrbios de aprendizagem. Considerando a modificabilidade neurológica a partir da estimulação ambiental (Fonseca, 2001), pode-se levantar um ponto de reflexão sobre a validade deste método para a identificação dos distúrbios de aprendizagem, tal como definido pelo NJCLD: O diagnóstico contínuo tende a identificar somente casos em que os distúrbios de aprendizagem são muito persistentes, virtualmente excluindo outros casos de distúrbios de aprendizagem que seriam resolvidos mediante a assistência especializada prestada ao longo desse tipo de diagnóstico. Dessa forma, pode não haver correspondência entre a definição de distúrbios de aprendizagem e o procedimento para sua identificação.
FABIO BIASOTTO FEITOSA*
Doutorando em Educação Especial. Universidade Federal de São Carlos.
ZILDA A. P. DEL PRETTE
Professor Titular – Programa de Pós-Graduação em Educação Especial. Universidade Federal de São Carlos.
MARGARIDA GASPAR DE MATOS
Psicóloga, Professora Associada com Agregação na FMH/UTL e investigadora do CNDT/IMHT/UNL