O que a escola tem a oferecer para a formação do jovem? Mais do que possibilidades de resposta, propomos aqui uma breve reflexão a partir do tema que emerge desta pergunta. Ainda que breve, o objetivo de realizar uma reflexão pede uma nova formulação da pergunta, que terá de se desdobrar em outras tantas, que se encontram embutidas na primeira.
Perdoe-me, leitor, a aparente confusão e jogo de palavras, mas se trata, propositadamente, de explicitar o método de construção do raciocínio do texto.
Vamos, então, ao desdobramento da pergunta inicial: O que entendemos por escola? Que concepção temos de formação? O que desejamos para o futuro do jovem?
A instituição escolar tem sido concebida como espaço privilegiado de construção de cidadania, portanto como lugar em que o exercício de um convívio democrático e solidário deve ser incentivado.
Para tanto, ela precisa constituir-se como um locus coletivo de construção de humanos enraizados em seu tempo, o que envolve também informar, mas principalmente formar consciências, construir sujeitos capazes de refletir e aptos a criar.
Nesta concepção, a ação escolar, que envolve educadores e educandos, formalmente e com papéis estabelecidos (mas que se permitem revezar no de mestres e aprendizes), se organiza para construir pessoas. Atenção: construir pessoas! O produto da ação escolar são homens e mulheres, espera-se, de qualidade boa, isto é, generosos, solidários, preparados para viver e compreender o mundo em que vivem e compreenderem-se nele.
Cada etapa da educação básica terá de, habilmente, organizar-se para caminhar em direção a esse objetivo. O ensino médio, etapa final da educação básica, é o que se voltará para a formação do jovem.
Bem sabemos que formá-lo não envolve apenas a ação escolar. Oportunidades culturais, artísticas, de convívio social são fundamentais. Não há também como formá-lo sem criar oportunidades para que ele possa continuar se desenvolvendo profissional, pessoal e intelectualmente, a fim de poder realizar-se como ser humano, membro de uma sociedade, e que, como tal, deve ser respeitado.
Conhecimento como estratégia
À escola cabe também papel essencial no processo de formação. Não se trata, por óbvio, apenas de instruir os jovens em determinadas habilidades, nem de levá-los a se apropriarem de um acervo de conhecimentos, mas – nesta concepção – de instaurar e amadurecer o próprio pensar, base da construção de sua autonomia pessoal, aqui compreendida como um direito a ser conquistado por todo ser humano de se autogovernar, tendo como parâmetro a alteridade, o respeito ao semelhante.
O conhecimento é compreendido como uma estratégia da existência e não constitui uma esfera isolada das demais coordenadas da vida.
Aulas pesadas, com conteúdos eminentemente teóricos, e desvinculadas da realidade do jovem, ou, por outro lado, um ensino solto, sem objetivos claros, em que se chama “reflexão” a conversas intermináveis, que não trazem em seu bojo a preocupação com a superação do conhecimento gerado pelo senso comum, não são adequados. São caminhos que, embora aparentemente opostos, conduzem ao mesmo perigoso fim: um jovem não preparado, sem condições de assumir-se em todas as suas dimensões.
A leitura da história humana nos revela que o modo humano de ser e estar no mundo nunca pressupôs uma realidade pronta, pelo contrário, sempre incluiu a idéia do devir. A humanidade viveu e vive um constante processo de construção e, para isso, tem de se preparar. Eis a razão de ser da formação, que se faz pela educação, tanto informal quanto formal, escolarizada. O conhecimento é mediador desse processo, por isso é estratégia de existência.
Para que as novas gerações sejam inseridas no mundo, elas precisam ser formadas para debater a sua vida em sociedade; para criar melhores alternativas de viver/conviver; para fazer também o imprevisível; para buscar o conhecimento autonomamente; para atuar no mundo do trabalho; e para, por meio de um constante processo reflexivo, construir-se acreditando em si mesmas. O currículo, as práticas didáticas e o convívio escolar são mediações necessárias à realização dessa formação, cujas palavras de ordem são reflexão e diálogo. Não há um nem outro sem os conhecimentos e os sujeitos envolvidos, que são fundamentais.
Apesar do uso e abuso que tem havido em relação às expressões reflexão e diálogo, esvaziando-as de seu significado mais profundo, não nos furtaremos de utilizá-las à exaustão, se necessário, por entendê-las fundadoras do processo educativo, quando tomadas na sua significação mais viva. A reflexão nasce do espanto com a vida, do incômodo com uma existência incompleta e do desejo mais profundo do nosso eu de superar problemas. Nasce de uma indignação que nos mobiliza para a reflexão-ação. É, portanto, geradora do próprio conhecimento, tomado em seu processo de construção.
No percurso formativo, o mundo jamais é tomado como uma evidência. O exercício de formação se serve do genuíno diálogo, que supõe uma interlocução verdadeira com a expressão do outro, a do não-eu. Nesse percurso formativo, o conhecimento e a reflexão são meios, e o devir da humanidade é fim.
Voltemos à questão-título, que originou este artigo: O que a escola tem a oferecer para a formação do jovem?
Embora saibamos do alto teor utópico que a concepção de escola aqui adotada evidencia, consideramos que pensá-la como formadora seja essencial. Não há ingenuidade, ou ignorância do caráter histórico discriminatório da instituição escolar, mas o desejo de evidenciar, nas contradições da sua proposta originária, a sua possibilidade emancipatória.
Para além da necessária habilitação técnico-científica dos jovens, o que está em pauta, quando se fala dos objetivos da educação para eles, é a formação da pessoa. Trata-se de um horizonte de que não podemos abrir mão, ainda que reconheçamos os obstáculos colocados pela nossa dura realidade.
A construção de sujeitos autônomos e conscientemente históricos – eis o que desejamos para o futuro dos nossos jovens – envolverá também um necessário processo de aquisição/reflexão acerca de valores.
Formação de valores
Afirmamos, logo nos primeiros parágrafos, que a instituição escolar tem sido concebida como espaço privilegiado de construção de cidadania. Ora, não ser indiferente é fundamental ao exercício da cidadania, e isso não emana de um gesto inato. Por conseguinte refletir e posicionar-se são habilidades que precisam ser adquiridas, são passíveis de aprendizagem. Assim, a educação, incluindo-se a escolar, está necessariamente implicada na construção de valores.
Do ponto de vista antropológico, nascemos e vivemos no interior do mundo cultural, que é / contém uma rede de significações que nos antecede, de tal forma que os nossos comportamentos, que não são naturais, sofrem uma modelagem imposta por esse mundo. Incorporamos costumes e valores previamente estabelecidos e a eles vamos acrescentar, durante nossas vidas, aqueles formados com base em novas informações e reflexões. Somos, portanto, bons imitadores uns dos outros (assim como bons inventores), porque continuamos a criar – a nós e ao próprio mundo – a partir das imitações que fazemos ao incorporarmos costumes e valores vigentes. Numa boa hipótese, não aceitaremos de modo passivo os valores impostos durante todo o tempo, mas os incorporaremos e refletiremos constantemente sobre a verdade contida neles, para revê-los, ou reafirmá-los. Os valores são adquiridos e podem ser transformados.
Qual é a responsabilidade da escola na formação dos valores dos jovens?
Preliminarmente, é preciso afirmar que a escola não é a única responsável pela formação ética dos jovens, embora seja a mais cobrada socialmente por isso. A força da sociedade consumista, as mídias, a falta de oportunidades para que o jovem se desenvolva pessoal e intelectualmente, a ausência de políticas públicas que o contemplem, têm deixado o jovem solitário na formação de seus valores. Na sua imaturidade, de modo não reflexivo, ele tende a reproduzir os valores dominantes da sociedade em que vive, muitas vezes sem maquiar o processo, como fazem os mais maduros.
Do ponto de vista ético e de comportamento social, a nova ordem socioeconômica estimula o consumismo e o individualismo, que vai a limites extremos, gerando instabilidade constante e agressividade. O segmento jovem é dos mais atingidos por esse processo. A vida coletiva e a cooperação deixam de ser valorizadas, cedendo lugar à competição desenfreada e à luta individual, seja ela por sobrevivência, seja pelo sucesso a qualquer custo.
A naturalização deste processo gera, contraditoriamente, uma busca equivocada pelo prazer imediato, efêmero, e por valores morais conservadores, estáveis. Temos aí uma articulação perigosa de valores, que coloca lado a lado um individualismo exacerbado e uma moral conservadora. Nesse contexto, o discurso moralista conservador é retomado com caráter de urgência. Na escola, a discussão sobre a necessidade da educação moral volta à pauta como antídoto à indisciplina e à violência; reduzida, no entanto, em sua dimensão e importância. Cobra-se, dos professores, mais autoridade, entendida como mão forte para disciplinar os alunos. De modo equivocado, clama-se por um disciplinamento dos jovens, vinculando-se esse processo à idéia de construção de valores e de cidadania.
Vale aqui uma lembrança: o ato moral deve ser composto não apenas pela obrigação social, ou pela obediência às regras, mas também pela escolha do indivíduo que o realiza. Caso isso não ocorra, ele perderá o seu conteúdo fundamental. A adesão, ou a rejeição à regra constituem parte essencial da ação moral e pressupõem discernimento para optar. Saber escolher entre o que se considera certo e o que se considera errado, para decidir pela adesão, ou transgressão às determinações sociais, é uma aprendizagem necessária. É um exercício da autonomia, entendida como uma segurança pessoal construída dia a dia, por meio do aprendizado de um pensar responsável e reflexivo, que pressupõe um repertório cultural constantemente revisto.
Nesse sentido, se queremos um jovem que venha a constituir-se em adulto autônomo, a atitude educativa desejável é a do estímulo ao discernimento e à opção. Oferecer ferramentas que o levem a saber discernir e optar é uma contribuição importante da escola, especialmente do ensino médio, para a formação dos jovens.
Mais uma vez é preciso afirmar que não se trata, por conseguinte, apenas de instruir os alunos para a aquisição de determinada habilidade, nem de levá-los a se apropriarem de um acervo de conhecimentos, mas de instaurar e desenvolver reflexões de modo a possibilitar o amadurecimento de ações que não sejam frutos apenas de imediatismos.
A resposta à questão inicial (O que a escola tem a oferecer para a formação do jovem?) poderá, portanto, depender: 1. do que entendemos por escola; 2. do que entendemos por formação; e 3. do que desejamos para o futuro de nosso jovem.
O que desejamos é: 1. um jovem que, na vida adulta, seja autogovernante de sua vida em coletividade; 2. uma formação que o prepare para viver e (re)criar a vida com dignidade; e 3. uma escola que valorize o conhecimento como estratégia de existência; que seja um espaço de convívio democrático e solidário; e que, por meio de seus educadores, ajude o jovem na construção de sua autonomia.
Nossa resposta não contempla especificamente o jovem do ponto de vista da sua empregabilidade, mas não descarta essa necessidade. O projeto de vida de um jovem não pode se restringir a ter um emprego, seus horizontes devem ampliar-se. Para além do emprego, ele precisa preparar-se para a vida (inclusive para o trabalho, que é mais amplo que o emprego), a fim de não limitar o seu olhar a um perímetro tão estreito.
http://www.profjoaobeauclair.net/visualizar.php?idt=2087015
Joao Beauclair
Perdoe-me, leitor, a aparente confusão e jogo de palavras, mas se trata, propositadamente, de explicitar o método de construção do raciocínio do texto.
Vamos, então, ao desdobramento da pergunta inicial: O que entendemos por escola? Que concepção temos de formação? O que desejamos para o futuro do jovem?
A instituição escolar tem sido concebida como espaço privilegiado de construção de cidadania, portanto como lugar em que o exercício de um convívio democrático e solidário deve ser incentivado.
Para tanto, ela precisa constituir-se como um locus coletivo de construção de humanos enraizados em seu tempo, o que envolve também informar, mas principalmente formar consciências, construir sujeitos capazes de refletir e aptos a criar.
Nesta concepção, a ação escolar, que envolve educadores e educandos, formalmente e com papéis estabelecidos (mas que se permitem revezar no de mestres e aprendizes), se organiza para construir pessoas. Atenção: construir pessoas! O produto da ação escolar são homens e mulheres, espera-se, de qualidade boa, isto é, generosos, solidários, preparados para viver e compreender o mundo em que vivem e compreenderem-se nele.
Cada etapa da educação básica terá de, habilmente, organizar-se para caminhar em direção a esse objetivo. O ensino médio, etapa final da educação básica, é o que se voltará para a formação do jovem.
Bem sabemos que formá-lo não envolve apenas a ação escolar. Oportunidades culturais, artísticas, de convívio social são fundamentais. Não há também como formá-lo sem criar oportunidades para que ele possa continuar se desenvolvendo profissional, pessoal e intelectualmente, a fim de poder realizar-se como ser humano, membro de uma sociedade, e que, como tal, deve ser respeitado.
Conhecimento como estratégia
À escola cabe também papel essencial no processo de formação. Não se trata, por óbvio, apenas de instruir os jovens em determinadas habilidades, nem de levá-los a se apropriarem de um acervo de conhecimentos, mas – nesta concepção – de instaurar e amadurecer o próprio pensar, base da construção de sua autonomia pessoal, aqui compreendida como um direito a ser conquistado por todo ser humano de se autogovernar, tendo como parâmetro a alteridade, o respeito ao semelhante.
O conhecimento é compreendido como uma estratégia da existência e não constitui uma esfera isolada das demais coordenadas da vida.
Aulas pesadas, com conteúdos eminentemente teóricos, e desvinculadas da realidade do jovem, ou, por outro lado, um ensino solto, sem objetivos claros, em que se chama “reflexão” a conversas intermináveis, que não trazem em seu bojo a preocupação com a superação do conhecimento gerado pelo senso comum, não são adequados. São caminhos que, embora aparentemente opostos, conduzem ao mesmo perigoso fim: um jovem não preparado, sem condições de assumir-se em todas as suas dimensões.
A leitura da história humana nos revela que o modo humano de ser e estar no mundo nunca pressupôs uma realidade pronta, pelo contrário, sempre incluiu a idéia do devir. A humanidade viveu e vive um constante processo de construção e, para isso, tem de se preparar. Eis a razão de ser da formação, que se faz pela educação, tanto informal quanto formal, escolarizada. O conhecimento é mediador desse processo, por isso é estratégia de existência.
Para que as novas gerações sejam inseridas no mundo, elas precisam ser formadas para debater a sua vida em sociedade; para criar melhores alternativas de viver/conviver; para fazer também o imprevisível; para buscar o conhecimento autonomamente; para atuar no mundo do trabalho; e para, por meio de um constante processo reflexivo, construir-se acreditando em si mesmas. O currículo, as práticas didáticas e o convívio escolar são mediações necessárias à realização dessa formação, cujas palavras de ordem são reflexão e diálogo. Não há um nem outro sem os conhecimentos e os sujeitos envolvidos, que são fundamentais.
Apesar do uso e abuso que tem havido em relação às expressões reflexão e diálogo, esvaziando-as de seu significado mais profundo, não nos furtaremos de utilizá-las à exaustão, se necessário, por entendê-las fundadoras do processo educativo, quando tomadas na sua significação mais viva. A reflexão nasce do espanto com a vida, do incômodo com uma existência incompleta e do desejo mais profundo do nosso eu de superar problemas. Nasce de uma indignação que nos mobiliza para a reflexão-ação. É, portanto, geradora do próprio conhecimento, tomado em seu processo de construção.
No percurso formativo, o mundo jamais é tomado como uma evidência. O exercício de formação se serve do genuíno diálogo, que supõe uma interlocução verdadeira com a expressão do outro, a do não-eu. Nesse percurso formativo, o conhecimento e a reflexão são meios, e o devir da humanidade é fim.
Voltemos à questão-título, que originou este artigo: O que a escola tem a oferecer para a formação do jovem?
Embora saibamos do alto teor utópico que a concepção de escola aqui adotada evidencia, consideramos que pensá-la como formadora seja essencial. Não há ingenuidade, ou ignorância do caráter histórico discriminatório da instituição escolar, mas o desejo de evidenciar, nas contradições da sua proposta originária, a sua possibilidade emancipatória.
Para além da necessária habilitação técnico-científica dos jovens, o que está em pauta, quando se fala dos objetivos da educação para eles, é a formação da pessoa. Trata-se de um horizonte de que não podemos abrir mão, ainda que reconheçamos os obstáculos colocados pela nossa dura realidade.
A construção de sujeitos autônomos e conscientemente históricos – eis o que desejamos para o futuro dos nossos jovens – envolverá também um necessário processo de aquisição/reflexão acerca de valores.
Formação de valores
Afirmamos, logo nos primeiros parágrafos, que a instituição escolar tem sido concebida como espaço privilegiado de construção de cidadania. Ora, não ser indiferente é fundamental ao exercício da cidadania, e isso não emana de um gesto inato. Por conseguinte refletir e posicionar-se são habilidades que precisam ser adquiridas, são passíveis de aprendizagem. Assim, a educação, incluindo-se a escolar, está necessariamente implicada na construção de valores.
Do ponto de vista antropológico, nascemos e vivemos no interior do mundo cultural, que é / contém uma rede de significações que nos antecede, de tal forma que os nossos comportamentos, que não são naturais, sofrem uma modelagem imposta por esse mundo. Incorporamos costumes e valores previamente estabelecidos e a eles vamos acrescentar, durante nossas vidas, aqueles formados com base em novas informações e reflexões. Somos, portanto, bons imitadores uns dos outros (assim como bons inventores), porque continuamos a criar – a nós e ao próprio mundo – a partir das imitações que fazemos ao incorporarmos costumes e valores vigentes. Numa boa hipótese, não aceitaremos de modo passivo os valores impostos durante todo o tempo, mas os incorporaremos e refletiremos constantemente sobre a verdade contida neles, para revê-los, ou reafirmá-los. Os valores são adquiridos e podem ser transformados.
Qual é a responsabilidade da escola na formação dos valores dos jovens?
Preliminarmente, é preciso afirmar que a escola não é a única responsável pela formação ética dos jovens, embora seja a mais cobrada socialmente por isso. A força da sociedade consumista, as mídias, a falta de oportunidades para que o jovem se desenvolva pessoal e intelectualmente, a ausência de políticas públicas que o contemplem, têm deixado o jovem solitário na formação de seus valores. Na sua imaturidade, de modo não reflexivo, ele tende a reproduzir os valores dominantes da sociedade em que vive, muitas vezes sem maquiar o processo, como fazem os mais maduros.
Do ponto de vista ético e de comportamento social, a nova ordem socioeconômica estimula o consumismo e o individualismo, que vai a limites extremos, gerando instabilidade constante e agressividade. O segmento jovem é dos mais atingidos por esse processo. A vida coletiva e a cooperação deixam de ser valorizadas, cedendo lugar à competição desenfreada e à luta individual, seja ela por sobrevivência, seja pelo sucesso a qualquer custo.
A naturalização deste processo gera, contraditoriamente, uma busca equivocada pelo prazer imediato, efêmero, e por valores morais conservadores, estáveis. Temos aí uma articulação perigosa de valores, que coloca lado a lado um individualismo exacerbado e uma moral conservadora. Nesse contexto, o discurso moralista conservador é retomado com caráter de urgência. Na escola, a discussão sobre a necessidade da educação moral volta à pauta como antídoto à indisciplina e à violência; reduzida, no entanto, em sua dimensão e importância. Cobra-se, dos professores, mais autoridade, entendida como mão forte para disciplinar os alunos. De modo equivocado, clama-se por um disciplinamento dos jovens, vinculando-se esse processo à idéia de construção de valores e de cidadania.
Vale aqui uma lembrança: o ato moral deve ser composto não apenas pela obrigação social, ou pela obediência às regras, mas também pela escolha do indivíduo que o realiza. Caso isso não ocorra, ele perderá o seu conteúdo fundamental. A adesão, ou a rejeição à regra constituem parte essencial da ação moral e pressupõem discernimento para optar. Saber escolher entre o que se considera certo e o que se considera errado, para decidir pela adesão, ou transgressão às determinações sociais, é uma aprendizagem necessária. É um exercício da autonomia, entendida como uma segurança pessoal construída dia a dia, por meio do aprendizado de um pensar responsável e reflexivo, que pressupõe um repertório cultural constantemente revisto.
Nesse sentido, se queremos um jovem que venha a constituir-se em adulto autônomo, a atitude educativa desejável é a do estímulo ao discernimento e à opção. Oferecer ferramentas que o levem a saber discernir e optar é uma contribuição importante da escola, especialmente do ensino médio, para a formação dos jovens.
Mais uma vez é preciso afirmar que não se trata, por conseguinte, apenas de instruir os alunos para a aquisição de determinada habilidade, nem de levá-los a se apropriarem de um acervo de conhecimentos, mas de instaurar e desenvolver reflexões de modo a possibilitar o amadurecimento de ações que não sejam frutos apenas de imediatismos.
A resposta à questão inicial (O que a escola tem a oferecer para a formação do jovem?) poderá, portanto, depender: 1. do que entendemos por escola; 2. do que entendemos por formação; e 3. do que desejamos para o futuro de nosso jovem.
O que desejamos é: 1. um jovem que, na vida adulta, seja autogovernante de sua vida em coletividade; 2. uma formação que o prepare para viver e (re)criar a vida com dignidade; e 3. uma escola que valorize o conhecimento como estratégia de existência; que seja um espaço de convívio democrático e solidário; e que, por meio de seus educadores, ajude o jovem na construção de sua autonomia.
Nossa resposta não contempla especificamente o jovem do ponto de vista da sua empregabilidade, mas não descarta essa necessidade. O projeto de vida de um jovem não pode se restringir a ter um emprego, seus horizontes devem ampliar-se. Para além do emprego, ele precisa preparar-se para a vida (inclusive para o trabalho, que é mais amplo que o emprego), a fim de não limitar o seu olhar a um perímetro tão estreito.
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Joao Beauclair